Eu ontem, eu hoje

Os anos já me cansavam
Não via mais diversão
Não tinha mais o brilho
Esperança virou solidão

Troquei tudo que amava
Por simplicidade, paz e conversão
Pensei ser importante
O fato de não ser meninão

Dias passavam e nada mudava
Então uma lógica absurda:
Observando a figueira da rua
Vi que estava abandonada

Assemelhando-a a mim
Cheguei até a achar graça
Quanta coisa me tinha em comum
Com uma árvore velha e acabada

Coisas do destino não existem
Ele não é homem para algo fazer
Sempre dizem que é culpa dele
Fatos que o homem não pode entender

Curiosa a mente humana
Que não cessa de aprender
Saber mais por qual motivo?
Se na minha idade vais esquecer...

Engraçado o tempo aqui
Chove às vezes, vezes chove
Como um complô
Justo na hora que vou sair

Olho, penso e concluo:
De novo a danada venceu!
Não posso com a água
O que "pôde", já morreu!

Quando pensava em desistir
Logo vinha alguém animar
Era difícil ouvir
Tentava não me entregar

O perfume daqueles anos
Não matava por asfixia
Hoje tudo é tão forte
Que a nuca até arrepia!

Delírios e devaneios
Ô palavrinha que mais amo!
Devanear é uma arte
Imaginar e sonhar que amamos

As lembranças podem ser boas
Quando se tem algo a lembrar
Não deixes que a doença venha
Suas memórias apagar

Compor? Ah, eu já compus!
Era bonito ver tanta gente...
Uns aplaudindo, outros sonhando
Era raridade alguém ausente

Enquanto tocava, as moças sorriam
Acho que nem prestavam atenção ao ritmo
Pois só o que queriam
Era ver o músico bonito

Eita vida pasmaceira
De tão longe e ingrata
Sinto que acabei virando
Nada mais que uma piada

Momentos me confundem
Numa estrada de idas e voltas
Palavras não me fazem sentido
Quem fez o verso virar prosa?

Prosa não é poesia
Poesia é inspiração
Prosa é uma lábia
Há quem diga que é conversação

Num caminho empoeirado
Não vejo sequer a solução
Chega a abafar o que respiro
Meu Deus, quanta poluição!

Já ouvi que sou saudosista
Saudosista eu não sou!
Não ligo pro passado
Mas que marcou, marcou!

Sinto falta do tumulto
Que sempre enchiam as ruas
As crianças brincavam
Todas lindas de canduras

As brincadeiras que eu lembro
Quanta alegria nos era dada
Hoje são carros e mais carros
Não se pode andar nem na calçada

Agora me despeço
Fiquei cansado de falar
A idade sempre impede
De poder me articular

O que levo é um sorriso
Do meu neto ao olhar
Atento e conciso
A história que acabei de contar.

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